A misericórdia muitas vezes definida como o olhar amoroso de Deus para conosco, tem na narrativa do evangelho de hoje alguns traços bem simples e profundos.
A misericórdia em torno de uma mesa: a descrição de um jantar, no qual Jesus é convidado, manifesta o sinal do grande banquete, a última ceia, onde vemos a instituição dos sinais eucarísticos e misericordiosos do corpo e sangue de Cristo oferecidos pela remissão dos pecados.
A misericórdia como um sinal de aproximação:o pecado nos leva a esconder-se do Ser Divino. A mulher intitulada e rotulada, age primeiramente por detrás, pela insegurança da condição já tão marcada na sua consciência. Chega por detrás, mansa, esperançosa, sem ritualismos, sem regras e coloca-se numa atitude prática, banha os pés de Jesus com suas lágrimas.
A misericórdia expressão de um coração que derrama em lágrimas:Quando pecamos ferimos a unidade e a comunhão com Deus, com a Igreja, com os irmãos e irmãs. Ferimos o coração. O choro desta mulher pecadora, revela duas características: o arrependimento e o desejo de nascer de novo. É expressão de sua alma, da sua consciência, do seu coração, que ao banhar os pés do Mestre, recorda, que ali, está um peregrino da Misericórdia divina. Aquele que caminha levando a paz. As lágrimas podem ainda recordar todo o sentido batismal, que lava, purifica. Somos perdoados do pecado original quando somos batizados.
A misericórdia é enxugar as lágrimas:No caminho do calvário Verônica enxuga o rosto de Jesus e ele consola as mulheres de Jerusalém. Enxugar, é muito mais do que passar uma toalha, os cabelos. É estender algo, uma tolha, um lenço, as mãos, os cabelos, para estancar aquilo que jorra decorrente de um esforço, de um ferimento. Enxugar as lágrimas, é sentir que o pecado dói, mas nos pés daquele que anuncia, encontra-se o consolo.
A misericórdia é o beijo amoroso que vem dos lábios de Deus:Certamente quando falamos do beijo associado ao pecado, lembramos daquele dado por Judas, como sinal para entregar Jesus. Nesta mulher até então tida como pecadora, há um outro sentimento neste beijo, não de traição, mas de conforto, de amor, de esvaziamento da consciência. Ao iniciar e terminar a missa, o padre beija o altar, no contato dos seus lábios com a mesa eucarística, expressa a misericórdia divina vivida e transmitida na ritualidade da missa a ser celebrada. Ao terminar o evangelho, beija o livro, como que aquelas palavras, tornem-se sinal de vida e misericórdia na vida de cada um.
A misericórdia é uma unção perfumada:o caminho misericordioso da realidade divina se manifesta no mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Aquele corpo desfalecido, entregue aos braços de Maria, depositado num sepulcro, preparado conforme os costumes da época, recebe também a unção. Deixar-se ungir, é lembrar mais uma vez, a característica batismal: que o Cristo Salvador, penetre em sua vida como este óleo em seu peito. Na experiência do bom samaritano, o homem caído nas mãos dos assaltantes, recebe o remédio, tendo suas feridas ungidas. Assim é esta mulher, herdeira da misericórdia, tem no olhar e nas palavras de Cristo, o seu coração ungido.
A misericórdia é experimentada quando sentimos que estamos em torno de uma mesa, na qual como um sinal de aproximação oferecemos ao Cristo nossas lágrimas, damos lhe os beijos da reconciliação e deixando que Ele aplique a unção e revigore nosso coração, para então, levantarmos e ouvirmos: Tua fé te salvou. Vai em paz.
Padre Kleber Rodrigues da Silva